Lei da Liberdade Econômica – o que mudou?

Em vigor desde o final de setembro, a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) trouxe grandes mudanças para empreendedores, empresários, empregadores e empregados.
 
O objetivo principal é o de desburocratizar os negócios, proteger a livre iniciativa, o exercício da atividade econômica, bem como tirar amarras da relação entre entes públicos e privados.
 
Trata-se de medida que é muito bem-vinda, e coloca nosso país e nosso modo de fazer negócio em maior sintonia com as práticas internacionais.
 
Tem sido bastante elogiada nos meios jurídicos e de negócios, uma vez que tem potencial para desburocratizar muitos aspectos da gestão empresarial, diminuir números de litígios, diminuir o impacto regulatório negativo e abusivo (que acaba por travar as operações), e ser fator de fomento de crescimento do país.
 
Entretanto, tem sido alvo de críticas nos meios acadêmicos e sindicais, o que nos faz acreditar que alguns dos seus pontos ainda serão judicializados e discutidos antes de serem plenamente pacificados. Desta forma, ainda que esteja em pleno vigor, é preciso um pouco de cautela e atenção na sua implementação nos negócios.
 
Seguem abaixo os principais pontos de alteração e nossos comentários:
 
Registro de ponto
 
– Registro dos horários de entrada e saída do trabalho passa a ser obrigatório somente para empresas com mais de 20 funcionários. Antes, a legislação previa esta obrigação para empresas com mais de dez empregados.
 
– Permissão de registro de ponto por exceção, por meio do qual o trabalhador anota apenas os horários que não coincidam com os regulares. Essa prática, para ser válida, precisa ser ajustada por meio de acordo individual escrito, convenção ou acordo coletivo.
 
– Importante esclarecer que não se trata de supressão de direitos trabalhistas, já que a dispensa do registro não se confunde com a exclusão do direito a horas extras. As horas extras serão devidas sempre que prestadas e não regularmente compensadas, independente de registro e do número de empregados do estabelecimento. Além disso, a existência de registro será necessária para viabilizar qualquer regime de compensação de horas, ainda que o estabelecimento tenha menos de 20 empregados. Portanto, é fundamental manter um bom controle das horas extras incorridas pelos funcionários, seja via registro de ponto tradicional, seja via ponto por exceção, independentemente do número de funcionários.
 
– Esse é um dos pontos mais criticados pelas entidades sindicais e empregados, e, considerando que as horas extras ainda devem ser devidamente contabilizadas, registradas e remuneradas, aconselhamos cautela, até que a questão seja melhor pacificada.
 
Alvará e licenças
 
– Atividades de baixo risco, como a maioria dos pequenos comércios, não exigirão mais alvará de funcionamento.
 
– O Poder Executivo ainda irá definir quais atividades são consideradas como sendo de baixo risco, na ausência de regras estaduais, distritais ou municipais.
 
– Também ficam permitidas quaisquer tipos de atividades aos finais de semana e feriados.
 
Substituição do e-Social
 
– O Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (e-Social), que unifica o envio de dados de trabalhadores e de empregadores, será substituído por um sistema mais simples, de informações digitais de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais. Até que o novo sistema seja criado e implementado, o e-Social segue em vigor.
 
Carteira de trabalho eletrônica
 
– Emissão de novas Carteiras de Trabalho pela Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia ocorrerá “preferencialmente” em meio eletrônico, com o número do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) como identificação única do empregado.
 
– A partir da admissão do trabalhador, os empregadores terão cinco dias úteis para fazer as anotações na Carteira de Trabalho. Após o registro dos dados, o trabalhador tem até 48 horas para ter acesso às informações inseridas. Ficam dispensados os registros de concessão e gozo de férias na CTPS.
 
Documentos públicos digitais
 
– Documentos públicos digitalizados terão o mesmo valor jurídico e probatório do documento original. Isso permite que a empresa arquive os documentos trabalhistas exclusivamente por meio de microfilme ou por meio digital, para todos os efeitos legais, inclusive fiscalizações.
 
Abuso regulatório
 
– A lei cria a figura do abuso regulatório, para impedir que o Poder Público edite regras que afetem a “exploração da atividade econômica” ou prejudiquem a concorrência. Entre as situações que configurem a prática estão:
 
* Criação de reservas de mercado para favorecer um grupo econômico
* Criação de barreiras à entrada de competidores nacionais ou estrangeiros em um mercado
* Exigência de especificações técnicas desnecessárias para determinada atividade
* Criação de demanda artificial ou forçada de produtos e serviços, inclusive “cartórios, registros ou cadastros”
* Barreiras à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades não proibidas por lei federal
 
Desconsideração da personalidade jurídica
 
– Proibição de cobrança de bens de outra empresa do mesmo grupo econômico para saldar dívidas de uma empresa (ponto que merece muitos aplausos, pois havia um abuso muito grande da utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, especialmente no que se refere às execuções trabalhistas).
 
– A proposta é que a desconsideração da personalidade jurídica, que permite que a execução atinja os bens pessoais dos sócios, tenha como condição a prova de que, estes, foram “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”. Além disso, a nova lei traz as definições de “desvio de finalidade” e “confusão patrimonial” (condições do instituto), reduzindo a abertura para interpretações divergentes e, consequentemente, reduzindo a insegurança jurídica.
 
– Patrimônio de sócios, associados, instituidores ou administradores de uma empresa será separado do patrimônio da empresa em caso de falência ou execução de dívidas.
 
– Somente em casos de intenção clara de fraude, sócios poderão ter patrimônio pessoal usado para pagamento de indenizações.
 
Negócios jurídicos
 
– Partes de um negócio poderão definir livremente a interpretação do acordo entre eles, mesmo que diferentes das regras previstas em lei.
 
Súmulas tributárias
 
– Comitê do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal (Carf) e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) terá poder para editar súmulas para vincular os atos normativos dos dois órgãos.
 
Fundos de investimento
 
– A lei define regras para o registro, a elaboração de regulamentos e os pedidos de insolvência de fundos de investimentos.
 
Camila Peixoto Olivetti Regina