Primeiramente, todas as orientações e análises de aspectos legais relacionadas à COVID-19 devem ser feitas cuidadosamente, e sempre atualizadas conforme novas leis e decisões judiciais são publicadas.
Entrando no mérito da questão, a Lei n. 13.979/20, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, prevê a possibilidade de vacinação compulsória na população:
“Art. 3º. Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
III – determinação de realização compulsória de:
a) exames médicos;
b) testes laboratoriais;
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas;”
Esse artigo foi objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6586 e 6587, acerca da vacinação compulsória, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela constitucionalidade do dispositivo legal que possibilita a vacinação compulsória, ou seja, a vacinação contra o coronavírus COVID-19 é obrigatória. No entanto, firmou a convicção de que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, de forma que não se pode forçar ninguém a tomar a vacina por meios coercitivos, sendo permitida a fixação de medidas indiretas, como a restrição ao exercício de atividades ou à frequência de determinados lugares (tanto pela União, como pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, nos limites de sua competência).
Diante desse cenário, conclui-se que a vacinação, além de ser um direito (direito à saúde pública), é também um dever, uma vez que possui caráter transindividual ( a vacinação de um implica em garantia de saúde pública para todos).
Além disso, os empregadores exercem poder diretivo sobre seus empregados, e são também responsáveis pela saúde ocupacional dos mesmos, podendo vir a ser seriamente responsabilizados se negligenciarem tais cuidados. Assim obrigações podem ser exigidas pelas empresas para efetividade desse poder-dever que é concedido às empresas e aos empregadores por lei.
A Constituição Federal traz em seu artigo 7o. inciso XXII que os trabalhadores, urbanos e rurais, têm direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Além disso, os artigos 157 e 158 da CLT determinam que:
Art. 157 – Cabe às empresas: (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
Art. 158 – Cabe aos empregados: (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977
I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
Frisamos que em uma pandemia, como a da COVID-19, a vacinação individual é pressuposto para a imunização coletiva e controle da pandemia. Nesse contexto, e considerando todo o acima, a recusa injustificada do trabalhador em ser vacinado pode caracterizar ato faltoso. Entretanto, entendemos que a empresa não deve utilizar de imediato as penalidades mais graves sem antes informar ao empregado os benefícios da vacina, a importância da vacinação coletiva e de entender os motivos da sua recusa.
Destaca-se que o STF, na decisão que tratou sobre a obrigatoriedade de vacinação definiu que são requisitos para tornar a vacinação obrigatória que:
(i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes;
(ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes,
(iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas;
(iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e
(v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.
Assim, antes da aplicação de qualquer medida de punição máxima, como a despedida por justa causa em razão da recusa pelo empregado em ser vacinado, é preciso que se atendam os requisitos acima, que o empregado tenha sido munido de todas as informações necessárias e cabíveis, que se tenha demonstrado a ele os benefícios e os níveis de segurança das vacinas através de campanhas de conscientização (com materiais e fontes seguras fartamente disponíveis nos meios de comunicação), que se tenha aplicado a ele alguma outra medida punitiva mais branda dentre as possíveis e autorizadas pela CLT, para só então aplicar a despedida por justa causa. Isso tudo para evitar que se caracterize a coerção vedada pelo STF.
Em resumo, sim, os empregadores podem exigir a vacina contra COVID-19 dos seus empregados, mas antes de tomar qualquer medida mais drástica, como a despedida por justa causa em caso de recusa, alguns cuidados são necessários.