A união estável é um novo tipo de arranjo familiar que vem ganhando muita força nos lares brasileiros. Ocorre que entre o público geral e leigo em Direito ainda existem muitas dúvidas: o que diferencia a união estável do namoro? Quais são os direitos e deveres envolvidos na união estável? Como saber quando já se vive em união estável?
Resolvi, então, fazer esse texto colocando de forma bem objetiva e clara alguns conceitos atinentes à união estável, delineando seus contornos.
Claro que aqui não se esgota a matéria e suas implicações, mas apenas se dá uma visão genérica, e também técnica, desse instituto.
O nosso Código Civil, de 2002, dedicou um capítulo próprio à união estável, entre seus artigos 1.723 a 1.727. Além desses artigos, o artigo 1.694 trata do direito a alimentos entre os companheiros, e o 1.790 prevê inclusive direitos sucessórios para o convivente sobrevivente. Além desses artigos, a união estável é também regulada pela Lei 9.278/96, dedicada exclusivamente a tratar desse tema.
Nesse sentido, vê-se que houve um esforço da nossa legislação para acompanhar os contornos modernos dos novos arranjos familiares, que fogem do estilo padronizado do casamento civil entre homem e mulher.
A união estável é uma situação de fato, informal, que não altera o estado civil dos conviventes, e que é assim definida pelo artigo 1.723 do Código Civil: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
Ainda que o mencionado artigo se refira apenas à união entre homem e mulher, destaca-se que a união entre pessoas do mesmo sexo também encontra resguardo nessa definição, uma vez que no julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4.227/DF, em 05/05/2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu pela aplicação de todas as regras da união estável heteroafetiva para a união estável homoafetiva.
Tendo feito essas considerações iniciais, seguem abaixo as considerações que reputamos mais importantes sobre este instituto, em tópicos, para facilitar a leitura e a compreensão.
Elementos Caracterizadores da União Estável
Do conceito expresso no artigo 1.723 acima transcrito, de pronto já se extraem os seguintes elementos caracterizadores da união estável: relacionamento público, contínuo, estável e com o objetivo de constituir família. As expressões “pública”, contínua”, “duradoura”, e “objetivo de constituição de família” são abertas e genéricas, demandando uma análise caso a caso para se verificar uma adequação da situação vivida pelos companheiros ao instituto da união estável.
A doutrina (posição dos estudiosos e professores de Direito em seus livros e manifestações) e a jurisprudência (conjunto de decisões dos nossos Tribunais) vem amadurecendo a interpretação e o modo de enxergar a união estável, tendo já definido o seguinte:
– A lei não exige prazo mínimo para sua constituição, devendo ser analisadas as circunstâncias do caso concreto. Antigamente se exigia o prazo de cinco anos, ou a existência de prole, mas hoje em dia esse entendimento não mais prevalece, restando um critério mais subjetivo, pautado em como o casal se comporta, de que forma cada um apresenta o companheiro à sociedade, se há vontade de se constituir família, qual é a consistência e a efetividade da união, enfim, se estão presentes os requisitos do mencionado artigo 1.723do Código Civil. Destaca-se que, apenas para fins previdenciários, a lei 13.135/15 ainda exige o prazo de 2 (dois) anos de convivência para se obter os benefícios previdenciários;
– Para configuração da união estável é necessário que entre os conviventes haja clara intenção de constituição de família, ou seja, o namoro, o noivado, a “amizade colorida” não são união estável. É indispensável que haja esse elemento espiritual, a deliberação, a vontade, a determinação, o propósito, enfim, o compromisso pessoal e mútuo de constituir uma família, por parte de ambos os conviventes, e que essa família seja efetivamente constituída;
– Não se exige que os companheiros vivam sob o mesmo teto, de forma que, mesmo em domicílios diversos, pode-se estabelecer união estável entre companheiros, como reflexo da evolução social, que hoje admite diversas formas de família e arranjos familiares. Neste caso, será necessária prova mais robusta e segura da união estável.
Ainda que alguns elementos caracterizadores da união estável sejam subjetivos e abertos à interpretação por parte do juiz, caso a caso, é possível se fazer prova da configuração da união estável de diversas formas, tais como: fotos e vídeos registrando a vida em comum e pública do casal, contas bancárias conjuntas, testemunhas informando que os conviventes se comportavam publicamente como se casados fossem (“Essa é a minha mulher”, ou “Esse é o meu companheiro”), disposições testamentárias, apólice de seguro, dependência em planos de saúde, suporte financeiro mútuo, mútua assistência, afeto e uso comum do patrimônio, sustento dos filhos próprios ou do companheiro, dentre outras;
– Não há impedimento para que a pessoa casada constitua união estável, desde que esteja separada de fato do antigo cônjuge. Com efeito, de acordo com nossa jurisprudência, a pessoa casada pode constituir união estável, desde que esteja separada de fato (§ 1º., artigo 1.723). Nosso ordenamento jurídico só não admite relações maritais, ou de união estáveis, paralelas e concomitantes (com a ressalva de que em alguns casos específicos e particulares foram reconhecidas uniões estáveis paralelas, e conferido direitos às outras companheiras).
Efeitos pessoais e patrimoniais da união estável
– Deveres mútuos: Como primeiro efeito pessoal da união estável, o artigo 1.724 do Código Civil lista os seguintes deveres: dever de lealdade; de respeito ao outro companheiro; de mútua assistência, moral, afetiva, patrimonial, sexual, espiritual; dever de guarda, sustento e educação dos filhos.
– Na dissolução da união estável, há possibilidade de configuração de dever de pagar alimentos e partilhar bens: a lógica que rege a união estável no tocante ao pagamento de pensão alimentícia e partilha de bens é similar à do casamento. Como há um dever de mútua assistência presente no relacionamento, ao final da convivência, havendo necessidade de quem pleiteia alimentos e possibilidade da parte contrária, há possibilidade de os alimentos serem devidos, bem como de se determinar a partilha dos bens móveis e imóveis adquiridos após a constituição da união estável.
– Não há necessidade de documentação ou registro da união, mas é recomendável que se faça: Não existe obrigatoriedade de nenhum tipo de documento ou certidão para que se formalize a união estável. Mas os companheiros podem registrar a união em Registro Civil das Pessoas Naturais, caso assim o desejem, com o objetivo de resguardar direitos, inclusive quanto ao regime a ser adotado pelos companheiros, com separação total, parcial ou comunhão total dos bens, mesmo procedimento adotado para o registro do casamento civil.
– Regime de Bens:Com relação ao regime de bens, nos termos do artigo 1.725 do Código Civil, “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime de comunhão parcial de bens.”. Ou seja, em termos gerais, não havendo contrato ou escritura pública regendo a união de forma contrária, o regime aplicável é o da comunhão parcial de bens, o que significa que tudo o que for adquirido a título oneroso durante a união presumir-se-á que seja dos dois, não havendo mais necessidade de prova de eventual esforço comum. Lembrando que os bens recebidos por um dos conviventes por meio de doação, de herança, de sub-rogação de bens particulares ou de bens anteriores à união, não serão objeto de meação pelo outro companheiro, permanecendo como bens particulares.
O contrato escrito a que se refere a lei é o contrato de convivência, que não necessariamente precisa ser uma escritura pública.
Se os conviventes quiserem que se aplique outro regime à união, é indispensável a lavratura da escritura pública ou contrato com a indicação do regime de bens e de outros aspectos que os companheiros julguem relevantes. A escritura é importante como meio de prova da existência da união, exigível para fins de concessão de benefícios, inclusão dos companheiros como dependentes perante planos de saúde e órgãos previdenciários.
Ainda no tocante ao regime de bens, depois de escolhido o regime patrimonial, é possível ainda que os conviventes decidam alterar o regime anteriormente escolhido e optar por outro. Na união estável, por se tratar de modelo mais informal de união, não se exige nem a autorização judicial para alteração de regime (como se faz no casamento), bastando que se faça outro instrumento estipulando o novo regime patrimonial que regerá a relação daqueles conviventes.
– Conversão da união estável em casamento:É possível, e para isso os companheiros deverão se dirigir ao Registro Civil das Pessoas Naturais do domicílio deles, juntar os documentos necessários para o casamento, o instrumento da união estável e preencher o formulário do pedido de habilitação de casamento com conversão da união estável.
– Uso do nome do companheiro: é possível, nos termos do artigo 57 da Lei de Registros Públicos, havendo necessidade de procedimento específico junto ao Cartório de Registro Civil.
– Término da união estável, como formalizar? Uma forma bastante segura de se formalizar o fim da união estável e se dispor sobre os direitos e deveres de cada parte é através da escritura pública, diretamente em cartório, com o acompanhamento de advogado, desde que não haja interesse de filhos menores, de incapazes ou de nascituros. Todavia, como já dito, a união estável é uma situação de fato, que poderá se iniciar e terminar sem nenhum documento.
– Direitos Sucessórios: há reconhecimento de direitos sucessórios ao companheiro sobrevivente, em caso de falecimento do outro. Ocorre que há ainda diversas questões polêmicas e ainda não plenamente resolvidas nessa seara, que necessitariam de um maior aprofundamento, não aplicável aos propósitos desse texto.
Esperamos que esse texto ajude a esclarecer um pouco mais os contornos e impactos da união estável. Em se tratando de arranjos familiares e convivência entre pessoas, obviamente cada caso terá suas próprias particularidades, que, se necessário, podem e devem ser aprofundadas.